quarta-feira, 9 de maio de 2012

Artigo do Krugman sobre a crise européia

Os europeus em revolta PAUL KRUGMAN DO "NEW YORK TIMES" Os franceses estão se sublevando. Os gregos, também. E já não era sem tempo. Os dois países tiveram no domingo eleições que, na prática, funcionaram como referendos sobre a estratégia econômica europeia atual, e nos dois países os eleitores disseram um "não" retumbante a ela. Ainda está longe de claro em quanto tempo o resultado das eleições vai levar a mudanças na política real, mas está claro que o tempo da estratégia de recuperação através da austeridade está se esgotando. E isso é positivo. Desnecessário dizer que não foi isso o que ouvimos dos suspeitos de sempre antes das eleições. Foi até engraçado assistir aos apóstolos da ortodoxia tentando retratar o cauteloso e cortês François Hollande como figura ameaçadora. Ele é "um tanto quanto perigoso", declarou a "Economist", observando que Hollande "acredita genuinamente na necessidade de criar uma sociedade mais justa". Quelle horreur! O fato é que a vitória de Hollande assinala o fim de "Merkozy", o eixo franco-alemão que vem implementando o regime de austeridade dos últimos dois anos. Seria um fato "perigoso" se essa estratégia estivesse funcionando, até mesmo se ela tivesse uma chance razoável de funcionar. Mas isso não está acontecendo, e é hora de seguir adiante. Parece que os eleitores europeus são mais sábios que as melhores cabeças da Europa. O que há de errado na prescrição de cortes nas despesas como solução para remediar os males da Europa? Uma resposta é que a fada da confiança não existe: ou seja, que as alegações de que reduzir os gastos do governo de alguma maneira incentivaria consumidores e empresas a gastar mais foram refutadas avassaladoramente pela experiência dos últimos dois anos. Portanto, reduzir despesas numa economia em depressão tem o efeito de apenas aprofundar essa depressão. Além disso, parece haver pouco ou nenhum ganho em troca do sofrimento. Considere-se o caso da Irlanda, que vem atuando como bom soldado nesta crise, impondo austeridade cada vez mais rígida num esforço para reconquistar o apoio dos mercados de títulos de dívida. De acordo com a ortodoxia prevalecente, isso deveria funcionar. Na realidade, o desejo de acreditar que funciona é tão grande que membros da elite política da Europa não param de proclamar que a austeridade irlandesa funcionou de fato e que a economia da Irlanda já começou a se recuperar. Mas isso não aconteceu. E, embora boa parte da cobertura de imprensa não revele esse fato, os custos da dívida irlandesa continuam muito mais altos que os da Espanha ou Itália, o que dirá a Alemanha. Quais são as alternativas, então? Uma resposta -- que faz mais sentido do que quase qualquer setor na Europa quer admitir-- seria acabar com o euro, a moeda comum europeia. A Europa não estaria neste impasse atual se a Grécia ainda tivesse seu dracma, a Espanha, sua peseta, a Irlanda, sua libra irlandesa e assim por diante, porque Grécia e Espanha disporiam de algo que hoje não têm: uma maneira rápida de restaurar a competitividade de seus custos e elevar as exportações. A saber: desvalorizar suas moedas. Como contraponto à história lamentável da Irlanda, considere o caso da Islândia, que foi o ponto zero da crise financeira mas pôde reagir desvalorizando sua moeda, a coroa islandesa (e que também teve a coragem de deixar que seus bancos falissem e dessem calote sobre suas dívidas). Não dá outra: a Islândia está vivendo a recuperação que a Irlanda deveria estar tendo, mas não está. Mas fragmentar o euro seria altamente traumático e também representaria uma derrota enorme do chamado "projeto europeu", o esforço de longa data para promover a paz e a democracia através da integração mais estreita. Existe outra maneira? Sim, existe --e os alemães já mostraram como esse maneira pode funcionar. Lamentavelmente, porém, eles não entenderam as lições de sua própria experiência. Converse com líderes de opinião alemães sobre a crise do euro, e eles provavelmente dirão que sua própria economia estava em baixa nos primeiros anos da década passada, mas conseguiu se recuperar. O que eles não gostam de reconhecer é que essa recuperação foi alimentada pelo surgimento de um enorme superávit comercial alemão relativo a outros países europeus --em especial relativo aos países que hoje se encontram em crise-- que estavam em alta e apresentavam inflação acima do normal, graças às baixas taxas de juros. Os países europeus em crise poderiam emular o êxito da Alemanha se enfrentassem um ambiente comparavelmente favorável --ou seja, se, desta vez, fosse o resto da Europa (especialmente a Alemanha) que passasse por um leve boom inflacionário. Assim, o argumento da Alemanha não é, como imaginam os alemães, um argumento em favor da austeridade unilateral na Europa do sul: é um argumento em favor de políticas de muito mais expansão em outros países e, em especial, em favor de o Banco Central Europeu desistir de sua obsessão com a inflação e começar a focar o crescimento. Nem é preciso dizer que os alemães não gostam dessa conclusão, e a direção do banco central, tampouco. Eles vão se apegar a suas fantasias de prosperidade através da dor e vão insistir que seguir adiante com sua estratégia falida é a única coisa responsável a fazer. Mas parece que não vão mais contar com o apoio incondicional do Palácio do Eliseu. E isso, acredite ou não, significa que tanto o euro quanto o projeto europeu hoje têm chances melhores de sobreviver do que tinham alguns dias atrás. Tradução de CLARA ALLAIN Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do

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